57 - Os consumidores e os alimentos transgênicos

Sezifredo Paulo Alves Paz
Consultor Técnico do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor
Secretário Executivo do Fórum Nacional das Entidades Civis de Defesa do Consumidor

   

A qualidade dos alimentos é uma das maiores preocupações dos consumidores em todo o mundo. No Brasil, não é diferente e o IDEC tem demonstrado que existe uma situação inaceitável com relação a esse problema. Temos níveis altos de contaminação química e microbiológica, de fraudes e de informação deficiente na rotulagem dos produtos que consumimos. Como se isso não bastasse, uma preocupação adicional vem se somar a essa situação: os alimentos geneticamente modificados.

Da mesma forma que outras tecnologias que, até há pouco tempo, buscavam substituir os métodos convencionais de produção e industrialização de alimentos, a engenharia genética se apresenta nesta década como o futuro do sistema agroalimentar.

Preliminarmente, devemos reconhecer que muitos avanços na qualidade e oferta de alimentos seriam possíveis pelo uso da engenharia genética sem colocar em risco a saúde dos consumidores e ameaçar o meio ambiente. Entretanto, esta tecnologia envolve um potencial de criar riscos únicos que exige, na nossa visão, um sólido processo regulatório (incluindo testes pré e pós-comercialização e estudos de impacto ambiental), complementando-se com um controle governamental eficiente na produção, industrialização e comercialização, além de uma rotulagem plena desses produtos.

Essas medidas são imprescindíveis porque existem diversos perigos à saúde humana e ao meio ambiente em relação a esses produtos que não podem ser negligenciados, podendo haver graves conseqüências, muitas irreversíveis, se forem feitas análises de risco superficiais, como as que, até o momento, vêm sendo empreendidas no Brasil e em outros países. Diferentemente de outros produtos, na maioria dos casos, os organismos transgênicos, uma vez liberados no meio ambiente, não podem mais ser recolhidos.

É baseada na precária avaliação dos riscos desses produtos para a sua autorização, executada através do questionável conceito da equivalência substancial, hoje definido como metodologia pseudo-científica e inadequada para o fim que se propõe,(1) que entidades de consumidores, de ambientalistas, de cientistas, de médicos, entre outros, em vários países, passam a exigir uma moratória nas liberações comerciais, uma regulamentação apropriada e mais pesquisas sobre a segurança para a saúde humana e meio ambiente.

A propósito, nos Estados Unidos, país de origem do modelo de "desregulamentação" dos alimentos transgênicos, que desencadeou processos idênticos em vários países que estão sob forte influência política e econômica americana, começa, a partir deste ano, a despertar entre agricultores, consumidores, ambientalistas e sociedade geral uma série de questionamentos sobre a segurança e os benefícios dessa tecnologia. A Administração de Drogas e Alimentos - FDA e a Agência de Proteção Ambiental - EPA estão enfrentando ações judiciais que questionam os seus procedimentos nas autorizações realizadas, sendo que no caso da FDA, após serem reveladas cerca de quarenta mil páginas de documentos e memorandos técnicos e administrativos, constata-se que a agência pode não ter cumprido as formalidades legais necessárias e que, tampouco, houve o propalado consenso científico interno quanto à segurança dos alimentos transgênicos. (2)

Mas, especificamente, do ponto de vista dos consumidores, são várias as preocupações quanto aos riscos sanitários e a certeza de que se esses produtos não forem adequadamente controlados poderão ocorrer episódios dramáticos como o que envolveu um suplemento alimentar à base de triptofano, produzido pela empresa japonesa Showa Denko, obtido por engenharia genética, que causou 37 mortes e milhares de casos de invalidez nos Estados Unidos, por causa da Síndrome de Eosinofilia Miálgica.(3)

Dentre elas, destacamos o aumento ou potencialização dos efeitos de substâncias tóxicas naturalmente presentes nas plantas manipuladas geneticamente, como adverte o Dr. Michael Hansen, biólogo da Consumers Union, exemplificando o perigo do aumento das solaninas, cumarinas e outros alcalóides presentes em vários alimentos em quantidades abaixo da dose de risco aos consumidores (4). Por outro lado, outras substâncias podem ter a sua quantidade diminuída, como foi demonstrado com os fitoestrógenos genistina e daidzina presentes na soja, que protegem as mulheres contra o câncer de seio, que diminuíram em 12 e 14 % nas variedades transgênicas, resistentes a glifosato, conforme pesquisa realizada nos Estados Unidos e divulgada em julho deste ano pelo Journal of Medicinal Food. (5)

Do mesmo modo, o aumento das alergias alimentares, uma afecção bastante freqüente e subestimada pelas autoridades sanitárias e pelas empresas, mas que acomete até 8% das população, pode ocorrer devido à ingestão de novas proteínas ou novos compostos que se formam nos alimentos geneticamente modificados. Essa possibilidade não é tão remota assim, como foi demonstrado no caso da soja da Pioneer que recebeu um gene da castanha-do-pará, e constatou-se que pessoas alérgicas a esse produto também o eram para a soja. Em março de 1999, pesquisadores do Instituto de Nutrição de York, Reino Unido, revelaram um aumento de 50% nos casos de alergia à soja em 1998, afirmando que esses resultados poderiam ser devidos a introdução da soja geneticamente modificada na alimentação. (6)

Outra preocupação refere-se a possibilidade de se aumentar a resistência bacteriana a antibióticos, pelo uso de genes marcadores, que conferem esta característica na construção dos alimentos geneticamente modificados, e que podem ser transferidos a bactérias que infectam o ser humano e os animais. Em maio passado, a Associação Médica Britânica, divulgou a sua posição, inclusive pedindo a moratória nas autorizações de alimentos transgênicos, apontando o uso desses genes marcadores como uma séria ameaça à saúde pública, apelando para a proibição imediata desse procedimento (7).

Também é relevante do ponto de vista da saúde do consumidor o aumento de resíduos de determinados agrotóxicos nos alimentos e nas águas de abastecimento, devido ao uso em muito maior quantidade dessas substâncias em plantas resistentes às mesmas. Não tivesse ocorrido o pedido para a liberação da soja Roundup Ready, resistente a glifosato, o Ministério da Saúde não seria solicitado a aumentar 100 vezes o limite desse veneno nos produtos à base de soja, conforme a Portaria 764, de 24 de setembro de 1998, ou seja, de 0,2 partes por milhão para 20 partes por milhão. Isto está relacionado diretamente à liberação da soja transgênica, resistente ao glifosato, sendo uma conseqüência negativa para os consumidores. Após a contestação ao referido aumento, pelo IDEC e outras entidades, outra portaria foi publicada, estipulando em 2 ppm o limite de glifosato na soja, ainda dez vezes mais. (8)

Do ponto de vista ambiental, teme-se que os alimentos transgênicos provoquem a perda da diversidade genética na agricultura, pois as empresas multinacionais produtoras de transgênicos necessitam de mercados imensos, em escala global, para recuperar os investimentos na produção de cada variedade. Isto faz com que umas poucas variedades transgênicas tendam a substituir tanto as variedades melhoradas por processos convencionais como as variedades selecionadas pelos próprios agricultores, chamadas locais ou tradicionais. Milhares de variedades tradicionais de milho, feijão, arroz, etc, poderão desaparecer com a expansão das culturas geneticamente modificadas. (9)

Os transgênicos podem também causar erosão genética, diminuindo as possibilidades de adaptação futura das plantas cultivadas às variações climáticas e à diversidade dos ecossistemas. Está demonstrada por pesquisas de universidades americanas a possibilidade de transferência espontânea dos genes introduzidos em uma variedade cultivada para plantas silvestres da mesma família (10). Por exemplo, os genes introduzidos em espécies cultivadas para torná-las resistentes à herbicidas podem transferir-se espontaneamente para plantas silvestres com risco de torná-las super ervas daninhas de difícil controle.

Já está comprovado que as plantas-inseticidas, geneticamente modificadas com o gene do Bacillus thurigiensis, podem matar outros insetos além dos previstos, conforme revelou a pesquisa da Universidade Cornell, divulgada no mês de maio desse ano, em que o pólen do milho Bt matou larvas de borboletas monarcas. (11). Em outro estudo, também divulgado em agosto último, pesquisadores da Universidade do Arizona demonstraram que lagartas-alvo podem se tornar resistentes às plantas-Bt e que podem levar mais tempo para a maturação que as não resistentes, o que poderia aumentar ainda mais a população resistente, tirando a eficácia dos refúgios. (12)

Além disso, a toxina Bt pode ser incorporada no solo junto com resíduos de culturas e afetar invertebrados e/ou microorganismos que têm importante função na reciclagem de nutrientes para uso das plantas. (13) Também, o uso maciço do herbicida glifosato nos campos cultivados com soja "Roundup Ready" pode afetar a capacidade de multiplicação no solo das bactérias fixadoras de nitrogênio e permitem a fertilização natural desta leguminosa, além de outros efeitos danosos sobre os seres vivos. (14)

Um outro aspecto relevante nessa questão é o impacto que essa tecnologia poderá ter sobre os agricultores, sobretudo, os que praticam a denominada agricultura familiar ou de subsistência. O propósito das empresas multinacionais do setor, que antes atuavam somente na área de agrotóxicos, de dominar o mercado de sementes é uma ameaça à produção de alimentos nos países menos desenvolvidos, como o Brasil. Elas vêm buscando impor uma dependência total dos agricultores aos seus pacotes tecnológicos, através de contratos com normas para o uso das suas sementes e insumos, assim como a venda de sementes com o gene "Terminator" ou "Verminator" que impedem a germinação dos grãos produzidos e eliminam o aproveitamento dos mesmos para plantio. O impacto desse oligopólio global sobre os pequenos produtores e que são a metade dos agricultores do planeta, será enorme, podendo afetar gravemente a segurança alimentar de muitos países.

Até para agricultores orgânicos americanos a introdução dos alimentos transgênicos trouxe problemas. Através de suas associações e outras entidades, estão com uma ação judicial contra a EPA-Agência Ambiental Americana, visando cancelar o registro de sementes Bt, pois estão temendo que, com o plantio dessas em grandes áreas, ocorra um aumento sem precedentes da resistência à toxina em spray (inseticida natural) que os orgânicos utilizam em pequena escala. (15).

Mesmo os produtores que utilizam agricultura intensiva nos países que já liberaram os transgênicos, estão encontrando dificuldades. Nos Estados Unidos, um estudo financiado pela Organização da Indústria de Biotecnologia mostrou que os agricultores que plantaram milho Bt em 1998 levaram um prejuízo de 28 milhões de dólares, pois pagaram mais pelas sementes e o preço da safra despencou, havendo ainda uma invasão de insetos menor que a prevista. (16). Da mesma forma, produtores de outras culturas transgênicas começam a manifestar insatisfação com as empresas que lhes induziram a optar pelos transgênicos e não avisaram que os mercados europeu e japonês poderiam recusar seus produtos.

Também, no que diz respeito ao aumento de produtividade no caso da soja geneticamente modificada, os agricultores não estão tendo o benefício prometido. Pelo menos dois estudos realizados por universidades americanas demonstram que variedades transgênicas estão com produtividade menor que as convencionais. (17) (18)

Por outro lado, enquanto avança a tentativa de liberar os transgênicos no mercado mundial, cresce a resistência a eles por parte dos consumidores, que estão surpresos e justificadamente preocupados, manifestando sua posição contrária aos mesmos, exigindo o direito de escolha mediante informação clara no rótulo dos produtos que contiverem ingredientes geneticamente modificados. Diversas pesquisas de opinião levadas a efeito em muitos países demonstram que os consumidores querem que os alimentos transgênicos sejam rotulados: nos Estados Unidos, 93%; na Austrália, 99%; no Canadá, 94%; na Bélgica, 74%; na Grécia, 81%; na Espanha, 69%; na França, 78%; na Irlanda, 61%; na Itália, 67%; no Reino Unido, 82%; na Holanda, 79%; e, em Portugal, 62%. (19)

Registre-se que a informação no rótulo dos produtos transgênicos, sobre a sua origem, sem substituir as análises de risco apropriadas, além de um direito do consumidor, expresso no Código de Defesa do Consumidor, no caso do Brasil, é um importante instrumento de rastreabilidade de algum evento relacionado a esses produtos ao longo da cadeia produtiva e de consumo.

Dessa forma, pressionadas pela posição dos consumidores, diversas empresas da Europa, do Japão, dos Estados Unidos e até do Brasil têm informado que não utilizarão ingredientes geneticamente modificados em seus produtos e nem os comercializarão ou, em alguns casos, que buscarão matéria-prima não-transgênica para oferecerem uma opção aos seus clientes. É o caso das redes de supermercados europeus Tesco e Carrefour (também no Brasil) e Makro (no Brasil), das indústrias européias Nestlé e Unilever, as cervejarias japonesas Kirin e Sapporo e a americana Gerber, uma das subsidiárias da Novartis. (20)

Também os governos nacionais vêm sendo pressionados a adotarem regulamentos para a rotulagem, como ocorre com o próprio Brasil, mas também a União Européia, o Japão, a Coréia, a Austrália e a Nova Zelândia (21), assim como ganha cada vez mais espaço nos fóruns internacionais a questão da segurança e rotulagem dos transgênicos, como ocorreu na recente reunião (janeiro 2000) do Protocolo de Biossegurança, em Montreal no Canadá, onde os representantes de mais de 130 países colocaram regras para os alimentos transgênicos.

Nessa reunião, ficou definida a adoção do Princípio da Precaução, com o estabelecimento de um procedimento de acordo prévio para a importação de OGMs, sendo que esse acordo pode ser recusado por motivo de incerteza científica. "A ausência de certeza científica devida à insuficiência de informações e conhecimentos científicos pertinentes (...) não impede (um país) de tomar uma decisão a respeito da importação, para evitar ou reduzir ao mínimo os efeitos desfavoráveis potenciais". Além disso, novas informações científicas permitem que um país cancele uma autorização de importação já concedida. O protocolo menciona ainda a possibilidade de um país "levar em conta (na decisão) incidências socioeconômicas do impacto" dos OGMs.

Quanto a rotulagem, a negociação quase fracassou, mas ficou definido que "a documentação de acompanhamento" dos OGMs deve "identificar claramente como tais os organismos vivos modificados destinados a utilização" na alimentação. Embora, haja duvidas sobre como serão identificados os transgênicos, foi dado um prazo de dois anos após a entrada em vigor do protocolo para definir precisamente as exigências a esse respeito. (22)

Por isso tudo, e especialmente por causa da rejeição dos consumidores aos produtos transgênicos, pairam muitas dúvidas sobre a viabilidade econômica dessa tecnologia, expressa recentemente pelo maior banco europeu, o Deustch Bank, que enviou relatório a milhares de investidores, que compõem sua clientela, recomendando para não investirem nas ações de empresas de engenharia genética.. (23)

A situação no Brasil

O IDEC passou a acompanhar a introdução dos alimentos geneticamente modificados no Brasil a partir de 1996, primeiramente junto à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança - CTNBio e no Comitê Brasileiro do Codex Alimentarius - CCAB, como integrante desses dois órgãos.

Desde o início, a entidade externou a sua preocupação, principalmente porque a CTNBio conduziu de forma inadequada a questão e, claramente, passou a apoiar os interesses meramente comerciais das empresas de biotecnologia. Percebendo o desvirtuamento da Comissão e sem perspectivas de ver atendidas as suas reivindicações para a elaboração dos regulamentos de segurança alimentar e de rotulagem, o IDEC decidiu solicitar a saída da mesma, passando a ter a necessária independência para questionar a atuação do referido órgão.

A partir de junho de 1998, quando já havia centenas de experimentos de campo com plantas transgênicas sendo realizados no Brasil, a maioria para obter variedades resistentes a herbicidas ou plantas-inseticidas, a CTNBio acelerou o processo de liberação das plantas transgênicas e sem elaborar os referidos regulamentos e recebeu o pedido de "desregulamentação" do plantio, industrialização e consumo da soja Roundup Ready da Monsanto, dispensando, inclusive, o Estudo de Impacto Ambiental.

No mês seguinte, foi feita uma contestação à CTNBio contra a liberação, assinada pelo IDEC e outras entidades que elencaram diversos aspectos de risco à saúde humana e ao meio-ambiente que não haviam sido adequadamente avaliados. No entanto, a CTNBio nem sequer respondeu a contestação e sinalizou pela imprensa que pretendia liberar o produto na reunião de setembro. Sem outra opção, o IDEC recorreu à Justiça, conseguindo uma liminar judicial numa ação cautelar no dia 16 de setembro (véspera da reunião da CTNBio), que impediu a liberação.

Mesmo com a liminar, a CTNBio emitiu o parecer favorável à liberação, no dia 24 de setembro, e encaminhou o processo aos ministérios da Agricultura, Saúde e Meio Ambiente para prosseguir com o processo de liberação, enquanto buscava cassar a liminar. É importante registrar o voto contrário da representante da defesa do consumidor na Comissão, a diretora do Procon - Pará.

Nesta mesma época, o IDEC também questionou o aumento do limite de resíduos de glifosato na soja, como já foi referido anteriormente. Não por acaso, a portaria que aumentava 100 vezes o limite era do dia 24 de setembro, data do parecer da CTNBio, acima referido.

Após o parecer conclusivo favorável, mas que não liberava a soja RR devido à liminar, o IDEC e as entidades de consumidores passaram a desenvolver um trabalho junto às autoridades e à opinião pública, explicitando a sua posição e exigindo as providências necessárias, enviando correspondências aos ministros da Saúde, Meio Ambiente e Agricultura e à Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias da Câmara Federal de Deputados, obtendo a realização de uma audiência pública em novembro, requerida por deputados comprometidos com o assunto.

No dia 25 de novembro de 1998, foi realizada a primeira audiência pública no País, na Câmara dos Deputados, onde houve uma presença significativa de interessados dos diversos setores. O IDEC expôs a posição das entidades de consumidores e entregou, juntamente com outras associações de consumidores, um abaixo-assinado com milhares de assinaturas colhidas em diversos estados. Em que pese o esforço dos que apoiavam a liberação da soja da Monsanto, foram apontadas e severamente questionadas as diversas falhas no processo de liberação, riscos à saúde e ao meio ambiente e os desdobramentos para o mercado interno e externo de alimentos.

Como resultado concreto, obteve-se um requerimento assinado por representantes de todos os partidos que solicitaram aos ministérios da Saúde e da Agricultura que a soja transgênica atendesse à legislação vigente, assim como, para que fosse instituída a obrigatoriedade da rotulagem dos transgênicos. Houve uma excelente repercussão na mídia e, pode-se dizer que, o debate sobre os transgênicos começou, finalmente, a chegar na opinião pública.

Em seguida, dia 26 de novembro, o IDEC apresentou ao CONMETRO - Conselho Nacional de Normalização Metrologia e Qualidade Industrial, órgão máximo da política de normalização e regulamentação técnica do país, do qual a entidade participa, os questionamentos sobre as atividades da CTNBio, especialmente o descumprimento do procedimento da Consulta Pública na elaboração de suas instruções normativas (regulamentos), a não elaboração dos regulamentos de rotulagem e de segurança para os alimentos transgênicos, assim como, a posição adotada pelo Brasil no Codex Alimentarius, em 1998, contrariando o Código de Defesa do Consumidor.

Foi definido que o CONMETRO solicitaria à CTNBio que instituísse a Consulta Pública na aprovação de suas normas e que haveria um aprofundamento maior pelos seus conselheiros sobre os outros aspectos abordados.

Neste período, também houve apoio de diversas entidades de consumidores, de defesa do meio ambiente e de agricultura da Europa (Tierra Ciudadana-França, Genetic Resources Action Internationalby- Barcelona/Espanha), dos Estados Unidos (International Forum on Food & Agriculture – Minneapolis and PANNA – Pesticide Action Network North American), do Japão (Consumers Union of Japan) e da Austrália (Australian Consumers Association) que enviaram mensagens e informações ao IDEC em relação à questão dos transgênicos no Brasil.

No dia 27 de novembro, o despacho de um Juiz Federal de Brasília derrubou parte da liminar do IDEC que impedia a liberação da soja transgênica, mas manteve a necessidade do produto ser adequadamente rotulado e consequentemente segregado, o que foi considerado um fato positivo. No entanto, a empresa Monsanto já não poderia colocar as suas sementes à venda, pois o período de plantio já havia se esgotado.

Em janeiro de 1999, o IDEC recebeu um importante apoio para outra reivindicação feita na ação, a realização prévia de Estudo de Impacto Ambiental para a liberação da soja. Nesse momento, o IBAMA - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis, órgão público vinculado ao Ministério do Meio Ambiente, integrou-se ao processo judicial como parte ativa, ou seja, do lado do IDEC e contra a CTNBio, o que determinará, com grande probabilidade, que a decisão final nos seja favorável. Antes da entrada do IBAMA, o Greenpeace já havia solicitado parta integrar a lide. Deve-se registrar que nessa ação de um lado estão o IDEC, o Greenpeace e o IBAMA e de outro o governo federal brasileiro (a CTNBio) e a Monsanto.

Em março de 1999, os órgãos públicos de defesa do consumidor (DPDC/MJ e Procons estaduais), em uma reunião nacional, discutiram o assunto e aprovaram uma moção pela regulamentação dos transgênicos, inclusive pela obrigatoriedade da rotulagem e fizeram o pedido de um prazo de carência para novas medidas autorizatórias.

A partir daí, foi intensificada a participação das entidades, especialmente do IDEC, em seminários, audiências públicas, que ocorreram em dezenas de cidades, e na imprensa, assim como a pressão junto ao Governo.

Junto ao Comitê do Codex Alimentarius do Brasil as entidades trabalharam para reverter a posição brasileira sobre a rotulagem e conseguiram que, em abril de 1999, numa reunião em Otawa - Canadá, a delegação brasileira expressasse posição favorável ao direito do consumidor à informação e escolha e, portanto, uma rotulagem apropriada, revertendo o apoio dado em 1998 à proposta americana, que, praticamente, não rotulava os produtos.

As atividades continuaram durante maio e junho de 1999, com o questionamento às indústrias de alimentos e supermercados sobre como se posicionam nesta questão, por meio de 2 ações: (a) cartas, enviadas pelo IDEC às grandes indústrias de alimentos e grandes redes de supermercados e (b) um folder distribuído em vários eventos, estimulando o consumidor a participar do movimento. No V ENEDEC - Encontro Nacional das Entidades Civis de Defesa do Consumidor, em 17 de junho, houve um excelente debate e uma manifestação das entidades de consumidores em Curitiba, envolvendo diversas organizações e Procons que lá estavam. É importante registrar as várias matérias na revista CONSUMIDOR S.A, que manteve o associado do IDEC e/ou leitor da revista sempre atualizado dos fatos.

Em junho de 1999, uma nova vitória: O juiz Antônio Souza Prudente, da 6ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal expediu outra liminar na ação do IDEC, determinando a proibição do plantio e comercialização da soja geneticamente modificada Roundup Ready. Solicitou, ainda, entre outras medidas, que a Monsanto e a Monsoy apresentem o Estudo Prévio de Impacto Ambiental. Essa liminar foi confirmada em nova decisão, em agosto, determinando, na forma de sentença, que a empresa e o Governo Federal cumpram a proibição.

Em julho de 1999, novas manifestações públicas foram realizadas em onze cidades brasileiras pelas entidades de consumidores, que reivindicaram a rotulagem dos transgênicos, distribuindo panfletos em supermercados e outros locais de grande movimento da população.

Infelizmente, mesmo com todas as manifestações da sociedade e da Justiça, o governo continuou do lado das empresas. Nos dias 28 e 29 de setembro de 1999, foi realizado um seminário sobre alimentos transgênicos na cidade do Rio de Janeiro, que teve uma peculiaridade interessante, pois foi um evento promovido pela comissão reguladora (CTNBio), com o patrocínio - pasmem! - das grandes empresas de biotecnologia. O IDEC e o Greenpeace enviaram, nessa mesma data, representação ao Ministério Público Federal, pedindo a abertura de um inquérito por improbidade administrativa da CTNBio, o que foi feito.

No último Dia Mundial da Alimentação, 16 de outubro, novas campanhas públicas ocorreram em 11 estados do país, promovidas por 21 organizações de defesa do consumidor, sindicatos, entidades de profissionais, organizações ambientalistas, ongs educativas e outras entidades. Dentre as reivindicações, somou-se o pedido aos ministérios competentes para que ocorresse a fiscalização sobre os produtos importados, matéria prima e industrializados, dos Estados Unidos, Argentina e Canadá.

O trabalho de acompanhamento dos comitês do Codex Alimentarius continuou nos últimos meses de 1999, quando reuniu-se no Rio de Janeiro o Drafting Group sobre Rotulagem de Alimentos Obtidos por Biotecnologia que tratou do detalhamento das duas propostas (uma americana e outra européia) sobre a rotulagem desses produtos. Nesse caso o IDEC, ao ser consultado pelo Comitê do Codex Alimentarius do Brasil - CCAB, enviou as sugestões e reiterou a sua posição contrária às mesmas, pois ambas não atendem as necessidades de uma informação plena aos consumidores.

No dia 2 de novembro de 1999, o Ministério da Justiça divulgou para Consulta Pública, até o final de fevereiro de 2000, a proposta de regulamento técnico de rotulagem de alimentos e ingredientes transgênicos, que causou grande frustração nas entidades de consumidores, pois reproduz as imperfeições das propostas do Codex Alimentarius e, em muitos aspectos, contraria o Código de Defesa do Consumidor. O IDEC fez a sua contestação e reiterou a campanha pela rotulagem plena publicando em Consumidor S.A e na sua home-page um texto de carta a ser enviada ao Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor/Ministério da Justiça.

Ainda em relação ao Codex Alimentarius, o IDEC questionou, em dezembro de 1999, o fato da coordenação do Grupo de Trabalho do CCAB ser feita pela EMBRAPA, que procura influenciar ao máximo para que a regulamentação da rotulagem dos transgênicos seja aquela defendida pelas empresas de biotecnologia. O argumento do IDEC é que a dirigente da EMBRAPA que coordena o referido GT tem um impedimento ético, uma vez que a empresa tem contratos com empresas de biotecnologia, como a Monsanto.

Em 11 de novembro de 1999, o IDEC fez uma contestação à liberação do Milho Guardian, da empresa Monsanto, que contém gene de Bacillus turigiensis. Foram relacionados na contestação diversos aspectos que justificam a não liberação do produto, dentre os quais diversos trabalhos sobre o efeito maléfico ao meio ambiente, a insuficiente e superficial avaliação de risco à saúde humana e o desrespeito ao Código de Defesa do Consumidor, entre outros.

Em 8 de dezembro de 1999, o Ministério Público solicitou que o Juiz Antônio Prudente tomasse providências em relação ao notório plantio irregular de soja transgênica no País, especialmente no Rio Grande do Sul. Em 23 de dezembro o Juiz determinou que a Polícia Federal e a Secretaria de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura fiscalizassem e punissem com rigor os responsáveis.

No último Dia Mundial do Consumidor, 15 de março, a Consumers International - CI, em conjunto com as suas filiadas, definiu que o tema será os alimentos transgênicos. A CI enviou uma jornalista em agosto ao IDEC para colher subsídios do seu trabalho para compor um "kit" informativo e de como organizar uma campanha, que foi distribuído a mais de 200 entidades de consumidores.

Finalizando, as entidades civis de defesa do consumidor brasileiras estão atentas e a continuam defendendo uma moratória, que suspenda qualquer outra liberação, até que tenham sido elaborados os referidos regulamentos e haja uma definição clara das atribuições e procedimentos dos órgãos federais relacionados ao controle dos alimentos transgênicos no Brasil.

Referências:

  1. Brunner, E, Mayer, S., Millstone, E., Beyond Substancial Equivalence, Nature, october, 1999.
  2. Executive Summary of Legal Action on Genetically Enginereed Foods, Alliance for Biotegrity and Center International for Technology Assessment , Docket 98-1300 (CKK), Washington DC, May 27, 1998 .
  3. Fagan, J., Tryptophan Summary, PSAGEF, Genetically Enginereed Food - Safety Problems, November, 1997.
  4. Hansen, M., Health and Safety Concerns of Genetically Enginereed Foods, Consumers International Conference, Oud Poelgest, the Nederlands, 16-17 november, 1995.
  5. Lappé, M., Independent non-profit group discovers differences in Roundup Ready soyabeans, Journal of Medicinal Food (vol. 1), nº4, 1999.
  6. Laboratório de Nutrição de York, Las Alergias a la Soja Aumentaron en un 50% en el Reino Unido en el Año Pasado, mensagem eletrônica da rede Elizabeth Bravo, Quito Equador, março de 1999
  7. British Medical Association, Board of Science and Education, The Impact of Genetic Modification on Agriculture, Food and Health - An Interin Statement, London, UK, May, 1999.
  8. Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, carta de 27 de novembro de 1998 ao Secretário de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde, São Paulo SP.
  9. Actionaid Brasil e outros, Por um Brasil livre de transgênicos, páginas 4-9, 1999
  10. Estudo alerta para superervas daninhas, Folha de São Paulo, página 1- 15, 7 de agosto de 1998.
  11. GM pollen can kill butterflies, by Alex Kirby, BBC News, www. bbc.co.uk/hi/english/sci/tech, May, 20, 1999.
  12. Estudo questiona eficácia de transgênicos, Folha de São Paulo, página 1-19, 5 de agosto de 1999.

13- Ge crops with Bacillus thurigiensis genes suspected to harm soil ecology, Genetically Engeninereed Food - Safety Problems, in home page www.psrast. org/btsoilecol.

14- Cox, C., Herbicide fact sheet Glifosate (Roundup), Journal of Pesticide Reform, págs 3-16, vol 18, nº 3, Eugene, Oregon, EUA, 1998

15- Seeds of change, Consumers Reports, september, 1999, páginas 41 a 46, Yonkers, NY, USA.

16- Semente modificada causa prejuízo nos EUA, Gazeta Mercantil, página B-19, 15 de julho de 1999.

17- University of Arkansas, Division of Agriculture, Cooperative Extension Service, relatório sobre o rendimento físico da soja RR, 1998.

18- Oplinger, E., Performance of Gmo's in Northern US, University of Winscosin-Madison, Departament of Agronomy, slides 1-12, 1998.

19- European Comission Directorate Generale XII, Pesquisa de opinião in Ação Civil Pública 98.27682-0, 6ª Vara Civil da Justiça Federal, 1998.

20 - Cervejarias japonesas e banco da Alemanha rejeitam transgênicos, Folha de São Paulo, página 5-2, São Paulo,14.9.1999.

21- World Food Law, Agrafood, Londres, Inglaterra, novembro, 1999.

22- Europa e Países do Sul impõem regulamentação dos transgênicos - Le Monde , 31 de janeiro de 2000

23- Deustch Bank sugere venda de ações de empresas que produzem transgênicos, O Estado de São Paulo, 27.8.1999.

 

Fonte: https://www.planetaorganico.com.br

Acessado em 29/10/2011

 

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